
Introdução
Na década de 1960, o Brasil vivia um período de contradições. A ditadura militar começava a impor repressão, enquanto a cultura fervilhava em busca de novas linguagens. Nesse contexto, surgiu uma das obras mais revolucionárias da arte brasileira: os parangolés de Hélio Oiticica.
Não eram quadros nem esculturas, mas capas de tecidos coloridos, muitas vezes feitos com materiais populares como estopas, plásticos e retalhos. O público não deveria apenas olhar para elas — precisava vesti-las e dançar com elas. Em vez de contemplar a arte, o espectador se tornava parte da obra.
A radicalidade da proposta de Oiticica estava em negar a arte como objeto intocável e propor a arte como vivência. Os parangolés nasceram ligados ao samba, à favela e ao corpo em movimento, trazendo para o centro da arte uma estética até então marginalizada.
Assim, o que parecia simples — capas de cores vibrantes — revelou-se um ataque direto às convenções tradicionais da arte ocidental e uma afirmação de liberdade no Brasil marcado pela desigualdade e pela censura.
A Gênese dos Parangolés
Primeiras experimentações
Os parangolés começaram a ser desenvolvidos por Hélio Oiticica em 1964, quando ele já buscava romper com a pintura e a escultura tradicionais. Depois de experiências com relevos, penetráveis e instalações ambientais, Oiticica percebeu que a arte poderia ser movimento e corpo.
As capas surgiram como desdobramento desse pensamento: pedaços de pano colorido, às vezes pintados, costurados ou escritos com frases de protesto. Ao serem vestidas, transformavam a pessoa em obra viva.
Era a negação do museu como espaço sagrado e o convite a uma arte que só existe no ato de ser usada.
A relação com a Mangueira
O passo decisivo veio quando Oiticica levou seus parangolés para a comunidade da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, no Rio de Janeiro. Ali, os passistas vestiram as capas e dançaram com elas, dando-lhes vida.
Esse gesto uniu o erudito e o popular, o ateliê e a favela. A arte deixava de ser exclusiva das elites e passava a incorporar o corpo coletivo do samba, com sua energia, ritmo e vitalidade.
Não por acaso, muitos parangolés traziam inscrições como “Estou possuído” ou “Seja marginal, seja herói”, frases que ecoavam tanto a força poética quanto a crítica social.
Reação e resistência
Quando Oiticica tentou apresentar os parangolés em 1965, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, os seguranças barraram a entrada dos sambistas da Mangueira. Foi então que a performance se deu do lado de fora, nos jardins do museu, transformando o episódio em ato político.
Essa exclusão mostrou que os parangolés não eram apenas arte: eram também crítica às barreiras sociais e raciais que estruturavam a cultura brasileira. O gesto de vestir a capa tornava-se também o gesto de desafiar uma ordem.
Hélio Oiticica: Do Abstrato ao Corpo em Movimento
Infância e formação artística
Hélio Oiticica nasceu em 1937, no Rio de Janeiro, em uma família de classe média ligada à ciência e à cultura. Seu pai, José Oiticica Filho, era fotógrafo e entomólogo, e isso deu a Hélio um olhar sensível tanto para a natureza quanto para as imagens.
Nos anos 1950, entrou no Grupo Frente, ao lado de artistas como Ivan Serpa e Lygia Clark, participando da fase construtiva da arte brasileira. Sua primeira produção foi marcada pela abstração geométrica, mas logo ele começou a sentir que as telas planas eram uma prisão.
O detalhe muda tudo: a inquietação pessoal de Oiticica com a rigidez da pintura abstrata foi o que abriu caminho para sua radicalidade futura.
Do concretismo ao neoconcretismo
Oiticica transitou do concretismo — focado na ordem e na racionalidade geométrica — para o neoconcretismo, movimento que defendia a liberdade sensorial e a participação do espectador.
Suas obras passaram a explorar relevos, cores vibrantes e estruturas espaciais que escapavam do quadro. Ele queria que o público sentisse a arte, e não apenas a observasse. Foi nesse contexto que nasceram seus penetráveis, ambientes em que o visitante caminhava dentro da obra, antecipando os parangolés.
O contexto desloca o sentido: Oiticica não abandonou o construtivo, mas o reinventou, colocando nele vida, corpo e experiência.
O encontro com o samba e a favela
Nos anos 1960, o artista começou a frequentar a comunidade da Mangueira, onde se apaixonou pela energia das escolas de samba. Ali ele encontrou a dimensão coletiva, corporal e popular que faltava à sua pesquisa artística.
Esse mergulho no samba foi decisivo. Oiticica não queria ser apenas observador: ele se integrou às rodas, às cores e à batida da percussão. A favela não era para ele um “tema” a ser representado, mas um território vivo que passou a fazer parte da própria obra.
É dessa fricção que nasce a força: a fusão de arte erudita e cultura popular, que explodiria nos parangolés.
Os Parangolés como Revolução da Arte
A participação do público
Os parangolés romperam com a ideia da obra de arte como objeto estático. Eles exigiam movimento, dança, corpo. O espectador não era mais um visitante passivo, mas ator da experiência.
Essa mudança foi tão radical que desafiava séculos de tradição da arte ocidental, em que a obra era intocável. Com Oiticica, a arte só existia quando vivida.
Política e marginalidade
Nos anos 1960, em pleno regime militar, os parangolés carregavam uma dimensão política evidente. Expressões como “Seja marginal, seja herói” ressignificavam a figura do excluído, colocando-o como protagonista.
Ao vestir um parangolé, o corpo se tornava manifesto. Cada dança era ato de resistência, cada cor vibrante era um grito contra a repressão e a desigualdade.
Entre arte e vida
Os parangolés também dissolviam a barreira entre arte e cotidiano. Tecidos simples, baratos, muitas vezes reaproveitados, mostravam que não era preciso nobreza de materiais para criar uma obra de impacto.
Esse gesto deslocava a arte do pedestal e a levava para a rua, para o corpo, para a coletividade. Nesse sentido, os parangolés foram um dos momentos mais radicais da arte brasileira e continuam sendo estudados mundialmente como símbolo de experimentação.
A Recepção no Brasil: Escândalo e Reconhecimento
Reações iniciais
Quando apresentados em meados dos anos 1960, os parangolés dividiram opiniões. Parte da crítica os via como provocação sem sentido, outros os consideravam uma afronta ao “bom gosto” artístico. O episódio em que sambistas foram impedidos de entrar no MAM-Rio com as capas se tornou simbólico dessa tensão.
Esse conflito revelou como o sistema da arte ainda estava preso a visões elitistas e excludentes. Ao trazer a favela e o samba para dentro da arte, Oiticica expôs não só a estética, mas também as contradições sociais do Brasil.
Apoio dos modernistas e críticos
Apesar da resistência, o trabalho de Oiticica ganhou apoio de figuras ligadas ao modernismo e ao neoconcretismo, como Mário Pedrosa, que defendia a arte como “exercício experimental da liberdade”. Para Pedrosa, os parangolés eram a materialização dessa ideia.
Esse reconhecimento foi fundamental para legitimar Oiticica e abrir espaço para que sua obra se tornasse referência em debates sobre arte contemporânea.
Do choque ao prestígio
Com o tempo, o que era visto como escândalo passou a ser reverenciado. Na década de 1970, os parangolés já eram estudados como ícones da vanguarda brasileira, mostrando que a inovação radical, mesmo rejeitada de início, pode se tornar patrimônio cultural.
Projeção Internacional e Legado
Exposições no exterior
A partir dos anos 1970, Oiticica levou seus trabalhos para Londres e Nova York, onde encontrou maior receptividade. O público internacional reconhecia nos parangolés uma potência estética e política rara, que colocava o Brasil no mapa da arte global.
Exposições em instituições como o Whitechapel Gallery (Londres) e, posteriormente, no MoMA (Nova York), consolidaram sua reputação. Os parangolés passaram a ser vistos como uma contribuição singular da América Latina à arte contemporânea.
Influência em gerações posteriores
O legado dos parangolés se estende até hoje. Artistas como Ernesto Neto, Ricardo Basbaum e coletivos de performance incorporaram a ideia de participação ativa do público e a fusão entre arte e vida.
No exterior, os parangolés também são estudados como antecipação da arte relacional, que ganhou força nos anos 1990 com nomes como Nicolas Bourriaud.
Parangolé como símbolo universal
Hoje, os parangolés não são apenas obras brasileiras: são símbolos universais da arte como liberdade. Ao romper com a contemplação passiva e colocar o corpo no centro, Oiticica redefiniu a noção do que pode ser arte.
O detalhe é que, mais de cinquenta anos depois, eles ainda provocam, encantam e inspiram, lembrando que a arte pode ser movimento, resistência e festa ao mesmo tempo.
Curiosidades sobre os Parangolés de Hélio Oiticica 🎨🕺
- 🪡 O nome “parangolé” surgiu de uma gíria carioca para confusão, movimento ou festa — ideia central da obra.
- 🎭 Muitos parangolés traziam inscrições poéticas ou políticas, como “Estou possuído” e “Seja marginal, seja herói”.
- 🥁 Oiticica dizia que só na Mangueira os parangolés se completavam, porque precisavam do ritmo do samba e da energia coletiva.
- 🌍 Hoje, parangolés estão em museus de renome como o MoMA (Nova York) e a Tate Modern (Londres).
- 🚫 A recusa do MAM-Rio em permitir a entrada dos sambistas, em 1965, acabou transformando a performance improvisada nos jardins em um ato histórico de resistência.
- 🧵 Alguns parangolés eram feitos com materiais descartados, como estopas e plásticos, para aproximar a arte da vida cotidiana.
- ✈️ Oiticica levou parangolés para Londres e Nova York, onde foram usados em performances com artistas e músicos experimentais.
Conclusão – Parangolé: Arte, Corpo e Liberdade
Os parangolés de Hélio Oiticica não foram apenas um experimento estético: eles mudaram para sempre a relação entre obra e público. Ao propor que a arte fosse vestida, dançada e vivida, Oiticica rompeu com séculos de tradição que separavam a contemplação da experiência.
Mais do que isso, o gesto de levar os parangolés à Mangueira e de incluir os corpos marginalizados em sua criação foi uma crítica direta à exclusão social. O que antes estava fora do museu — o samba, a favela, a coletividade popular — entrou como protagonista da arte contemporânea.
Internacionalmente, os parangolés consolidaram o Brasil como referência de inovação estética. Eles anteciparam discussões sobre arte relacional, performance e participação que só se tornariam centrais décadas depois em outros países.
No fim, a maior contribuição dos parangolés está na sua potência simbólica: mostrar que a arte pode ser cor e protesto, festa e política, corpo e liberdade. Oiticica não apenas criou um objeto artístico — ele abriu caminho para uma nova forma de pensar a própria existência da arte.
Dúvidas Frequentes sobre os Parangolés de Hélio Oiticica
O que são os parangolés?
São capas, estandartes e bandeiras criados por Hélio Oiticica em 1964, que só ganham sentido quando vestidos e dançados.
Por que Oiticica criou os parangolés?
Porque queria que a arte fosse vivida, transformando o espectador em participante ativo da obra.
Qual foi a inspiração dos parangolés?
A escola de samba Mangueira, com suas cores, ritmos e coletividade, inspirou Oiticica a criar obras dançantes.
Em que contexto surgiram os parangolés?
Nos anos 1960, em meio à ditadura militar e à efervescência cultural, como gesto político e estético de liberdade.
Por que foram considerados polêmicos?
Em 1965, sambistas foram barrados no MAM-Rio, revelando racismo e elitismo no sistema das artes.
Qual frase famosa aparece em alguns parangolés?
“Seja marginal, seja herói”, exaltando figuras marginalizadas e transformando-as em símbolos de resistência.
Qual a relação dos parangolés com o neoconcretismo?
Eles radicalizam a ideia neoconcreta de participação, tornando o público protagonista da obra.
Onde os parangolés foram apresentados pela primeira vez?
Nos jardins do MAM-Rio, em 1965, após a proibição de entrada no museu.
Quais materiais Oiticica usava nos parangolés?
Tecidos, plásticos, redes, estopas e retalhos simples, aproximando a arte da vida popular.
Os parangolés são apenas roupas?
Não. São obras conceituais que se completam no corpo e no movimento coletivo.
Qual foi a ligação dos parangolés com o samba?
Os parangolés ganhavam vida na dança e no ritmo dos desfiles da Mangueira, integrando arte e cultura popular.
Onde estão os parangolés hoje?
Alguns estão preservados em instituições como o MAM-Rio e o MoMA, em Nova York.
É possível interagir com parangolés atualmente?
Sim. Versões recriadas são usadas em exposições para que o público possa vesti-los e experimentar a obra.
Os parangolés influenciaram artistas internacionais?
Sim. Anteciparam debates sobre arte relacional e performance, hoje centrais na arte contemporânea mundial.
Qual é o legado dos parangolés?
Transformaram a relação entre arte e público, unindo corpo, política e cultura popular em uma obra participativa.
Livros de Referência para Este Artigo
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-Rio) – Catálogo Histórico de Exposições
Descrição: Fonte essencial para entender o contexto da primeira apresentação dos parangolés e a polêmica de 1965.
MoMA – Exposição de Arte Latino-Americana Contemporânea
Descrição: Destaca a importância de Oiticica para a projeção internacional da arte brasileira e para a performance contemporânea.
Celso Favaretto – A Invenção de Hélio Oiticica
Descrição: Livro crítico e analítico que reconstrói a trajetória do artista e o significado de suas obras no Brasil e no exterior.
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